O jovem de
16 anos, das iniciais E. O. C, foi baleado no último domingo (26), no bairro do
Areal, em Coroatá. Segundo a polícia, ele estava na garupa de uma motocicleta
com outro colega e empreenderam fuga após avistarem a viatura. Houve uma
perseguição e os policiais atiraram na direção dos dois, segundo eles, na
tentativa de pará-los, mas um dos disparos acertou as costas do menor, que foi
levado para o Hospital Macrorregional e infelizmente não resistiu aos
ferimentos falecendo na manhã desta terça-feira (28). Os policiais disseram
ainda que encontraram droga com os dois.
O caso
ganhou repercussão porque a família do garoto afirma que é mentira a versão
apresentada pela polícia. Parentes entraram em contato com o Portal Coroatá
Online e explicaram que o garoto é muito conhecido no bairro, muito querido e
que nunca se envolveu com coisas erradas. A prima do adolescente escreveu um
texto emocionante, fazendo um desabafo sobre o caso. Confira abaixo:
POR TATIANA OLIVEIRA
Espero que
vocês não precisem rezar todas as noites para que seu irmão, ou qualquer pessoa
que vocês amem, não seja mais um número dentre os mortos, presos ou gravemente
feridos do dia seguinte. Eu faço isso. E a dor é imensa.
Em 2014, a
cada 03 horas, uma pessoa foi morta pela polícia. No total, foram 3.009 mortes
decorrentes da ação policial. Esses são dados do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.
Ontem, minha
família entrou para as estatísticas. Nós nos tornamos mais um número. Meu primo
se tornou parte dos índices que demonstram a violência e o despreparo da
polícia. E ele só tinha 15 anos. Foi morto na última busca pelo lazer que o
Estado nunca o proporcionou. Morto por uma infração de trânsito. Ele estava sem
capacete. Não. Ele estava sem a proteção do Estado. Na verdade, ele era o alvo.
Os tiros foram certeiros. E a dor também. Estamos quebrados. Para sempre.
A Vila
Teresa Murad, apesar de levar o sobrenome da família que sempre dominou a
cidade de Coroatá, nunca mereceu atenção. Sempre fomos tratados como uma parte
do Bairro Novo Areal, então, nesse texto, embora reivindicando autonomia,
continuarei com essa perspectiva para facilitar a compreensão. O bairro sempre
foi tido, pela maior parte da população, como perigoso demais para freqüentar.
Os “cidadãos de bem” não podem transitar por aquelas ruas. A criminalidade é
acentuada demais. É escuro. Sujo. Pobre. Somos favela. Não somos iguais.
Bem por
isso, quando há (escassas) rondas policiais, a regra é “atira primeiro,
pergunta-se depois”. Afinal, na Vila Teresa Murad não se pode brincar com o
perigo. Lugar de criminoso. “Bandido bom é bandido morto”, repetem os “cidadãos
de bem”. Não somos iguais.
Mas a culpa
não é nossa. A cidade nunca parou para enxergar todos os moradores da Vila
Teresa Murad que trabalham de sol a sol, na lavoura ou nas casas dos “cidadãos
de bem”; nunca parou para se preocupar com as crianças que crescem sem
expectativa de um futuro decente. Sem que o Estado lhes dê esperança. Porque
não somos iguais.
Nunca
merecemos iluminação pública de qualidade, apesar de pagarmos a mesma taxa que
os “cidadãos de bem”. Nunca merecemos ruas asfaltadas. Por que precisaríamos de
limpeza e coleta de lixo regular?! Nós não somos iguais, afinal. Não temos
praças. Não temos áreas de lazer. Não temos projetos voltados às crianças e
adolescentes. Mal temos escola.
O Poder
Público só volta seus olhos para nós uma vez, a cada 04 anos. Período
eleitoral. Os moradores recebem políticos e mais políticos. Apertos de mão.
Sorrisos. Promessas. Politicagem. Nada mais. Estamos cansados. Já passou da
hora de sermos notados.
Não. Isso
não é um apelo partidário. Isso é a exigência de um direito político. Não nos
importa se tratar de oposição ou situação política. Vocês nunca nos viram.
Nenhum de vocês. Talvez, porque seja mais fácil oferecer algumas festas
grandiosas em praça pública por ano. O “pão e circo” ainda funciona. Os romanos
não erraram. Mas nem só de pão vivem os cidadãos coroataenses. Estamos
cansados.
Vocês,
representantes do povo, parem de representar os próprios interesses. Por acaso,
não sabem o que “povo” significa?! A população que os elegeu precisa de
segurança, infraestrutura, emprego. Esperança.
E agora, sim,
somos iguais. Em forma, ao menos.
A Vila
Teresa Murad está abandonada desde o surgimento, cansada de promessas. O copo,
de tão vazio, transbordou. Parem de achar que só tem “bandido” aqui. Se os
índices de criminalidade são elevados, por que ainda não foram implementadas
políticas públicas que retirem os jovens da vulnerabilidade a que estão
expostos? A falta de expectativa mata nossas crianças diariamente, as leva por
caminhos tortuosos, e gera um ciclo infinito de crimes e mais mortes.
E isso não
será resolvido dando armas e veículos à Polícia, senhor Governador. Tampouco
aumentando o efetivo policial. Enquanto não houver uma alteração na raiz da
nossa polícia, continuaremos perdendo jovens todos os dias para o uso excessivo
da força, para a incapacidade dessa instituição em desempenhar seu papel.
Estaremos dando armas a pessoas despreparadas, que delas fazem uso como se
fossem a buzina da viatura, quando deveriam ser utilizadas apenas e tão somente
em casos de legítima defesa ou em defesa de terceiros contra perigo iminente de
morte ou lesão grave, nunca contra um adolescente cujo único erro foi estar sem
capacete.
Ao governo
municipal, minha família não vai aceitar a desculpa de que a Polícia é de
competência do estado do Maranhão para se eximir da responsabilidade de mais um
número nas estatísticas. É mais que um número. Era uma criança. Toda uma vida.
Um futuro. Laços de amor. Uma vida foi tirada pela omissão dos vários
prefeitos, inclusive da atual chefe do executivo municipal e do anterior a ela,
para com um bairro inteiro. Nós fomos relegados ao esquecimento por décadas.
Ademais, não
se pode exigir, por mais louvável que tenha sido a iniciativa, exigência legal,
inclusive, que toda uma cultura sedimentada entre os cidadãos seja alterada do
dia para a noite. Essa mudança exige paciência das instituições fiscalizadoras.
Estou me referindo especificamente à fiscalização de trânsito em Coroatá. O
Poder Público, mais uma vez, foi omisso por quase um século. Culpa exclusiva da
Administração.
Se o Código
de Trânsito é de 1997 e somente em 2015 o governo municipal resolveu exigir o
uso de capacetes, ou melhor, punir quem infringe essa regra, o mínimo exigível
seria a modulação dos efeitos. Precisaríamos de punições mais pedagógicas que
repressivas. A população precisava ser reeducada. Não morta.
Se a
infração à legislação de trânsito não foi o motivo pelo qual os policias atiram
no meu primo, então podemos voltar algumas linhas acima e refletir um pouco
mais sobre o despreparo da instituição e a responsabilidade do Poder Público
com as condições da Vila Teresa Murad e do Novo Areal.
Hoje, minha
família chora, em pedaços, pela perda de um ente tão querido por culpa do
descaso e do despreparo das instituições públicas. Nossa dor jamais passará.
Tampouco nossa vontade de mudança. Nós somos iguais!
Por
enquanto, sigo rezando para que nenhuma pessoa que eu amo se torne mais um
número. E espero que vocês não precisem rezar por isso também.
NOVAS INFORMAÇÕES DA POLÍCIA
Procurados
por nossa redação, o comandante da Polícia Militar de Coroatá, Capitão Ricardo,
disse que será feito um procedimento administrativo para apurar o caso.
Esclareceu ainda que dois inquéritos serão realizados, tanto pela polícia
militar como pela civil.
Sobre as
investigações preliminares, a PM descobriu que quem conduzia a moto no momento
em que o menor foi baleado era o suspeito de assaltar uma loja de material de
construção, no sábado, no bairro da Mariol [detalhes sobre o caso aqui]. As
investigações sobre a morte do adolescente serão concluídas em no máximo um
mês, afirmou o comandante da polícia militar.
Fonte:coroataonlinema.